06 Julho 2021
Com uma população de pouco mais de 7 milhões de habitantes – e com apenas 1,8% de sua população totalmente vacinada, e 6,8% parcialmente) – o Paraguai encabeça a lista dos países com maior quantidade de mortes por um milhão de habitantes na região.
A falta de insumos, a incerteza sobre a campanha de vacinação, as especulações em torno dos preços dos medicamentos devido ao aumento da demanda, somado a casos de corrupção, com a pobreza agudizada até o extremo, faz com que o país sul-americano esteja passando “seu pior momento”.
Famílias inteiras falecidas, crianças órfãs, uma crise econômica que levou, em alguns casos, até a perda da dignidade, faz com que esta realidade peça a gritos para que seja exposta. Para isso, conversamos com o presidente do episcopado paraguaio, dom Adalberto Martínez Flores, que oferece um panorama geral da situação sanitária do país, e responde a algumas perguntas.
A entrevista é publicada por Vatican News, 04-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qual é a situação da pandemia no Paraguai, hoje?
O país vive seu pior momento, a crise sanitária atinge fortemente, sobretudo os mais pobres. Paraguai deu exemplo no ano 2020 pelas medidas de isolamento preventivas, passou a encabeçar a lista de países com maior quantidade de mortes por habitantes.
Preocupa-nos a ineficácia e a falta de resposta à grande quantidade de demanda que existe nos hospitais. Dói-nos profundamente ver a nosso povo correr angustiado aos hospitais e depois aos diversos centros de ajuda social, onde muitas vezes e tristemente recebem como resposta “não temos”.
Graças a Deus, esta crise também faz com que nossos padres, agentes pastorais e nossos cidadãos em geral estejam se ocupando das ajudas solidárias através de distintas iniciativas, uma delas são os refeitórios populares que pôde manter tanta gente e ainda motivou outras pessoas e organizações a atuar e responder.
A Pastoral Social Nacional soube canalizar uma ideia que nos parece muito interessante que é a de habilitar farmácias populares em distintos lugares, um grupo de padres e leigos concretizou uma reunião com representantes do governo nacional para encaminhar essa interessante proposta. Felizmente esse projeto está tomando forma em algumas dioceses.
Segundos os relatórios, por meio do mecanismo Covax, foram entregues no país 304,8 mil doses (última entrega em 03 de junho). Receberam mais doses? De onde estão vindo?
A maioria das vacinas recebidas pelo Ministério da Saúde vem de doações de países parceiros, mas muito poucas chegaram até agora. Em várias ocasiões ouvimos dizer que em breve chegariam mais doses ao nosso país, mas até agora nada mais é do que uma promessa com muito barulho na mídia.
Agora estamos ouvindo justamente através dos distintos meios de comunicação que até o mês de agosto já teríamos 50% de nossa população imunizada. No entanto, as vacinas que temos até agora são insuficientes.
Os Estados Unidos anunciaram o embarque pela Covax de 14 milhões de doses com destino à América Latina e Caribe. Vocês têm conhecimento de quantas vacinas serão destinadas ao Paraguai?
Sabemos que a entrega será feita diretamente às “prioridades regionais e outros beneficiários”, também a informação esperançosa é que aproximadamente um milhão de vacinas Pfizer chegarão ao nosso país neste mês de julho, de acordo com o que ouvimos. Após a reunião do Presidente da República com Victoria Nuland, subsecretária de Estado para Assuntos Políticos dos Estados Unidos da América.
Entendemos que, como país, somos os mais necessitados e somos instados a ter imunidade coletiva para salvar vidas, toda vida é importante, toda vida representa um ser querido, representa o que há de mais valioso para a Igreja. Por isso, acreditamos que deve ser feito um esforço extraordinário de todos os setores para salvar o máximo de vidas.
Isso também requer, como afirmamos em nossa declaração de 23 de janeiro, que “nossas autoridades, empresas farmacêuticas e organizações internacionais escutem e respondam ao imperativo moral de tornar a vacina e os cuidados de saúde acessíveis já aos setores sociais mais vulneráveis da população”.
Como a situação continua na ausência de oxigênio e medicação para pacientes na UTI? Encontraram colaboração de países vizinhos?
Embora estivéssemos cientes do estado crítico do sistema de saúde paraguaio, com esta pandemia percebemos a importância de destinar à área uma atenção prioritária enquanto Estado. Demo-nos conta do quão grave e catastrófica é a atenção quando se omite ou não se prioriza a atenção com bons recursos, tecnologia de primeiro nível, equipe médica capacitada e bem remunerada.
Tenho a percepção de que há uma resposta insuficiente às exigências e demandas do nosso povo. Em várias ocasiões temos notado que, depois de geradas polêmicas ou críticas de diversos setores e principalmente das redes sociais, são tentadas soluções do governo que indicam a possibilidade de previsibilidade. Isso aconteceu com a falta de remédios e oxigênio.
Após as manifestações de fevereiro-março, o Paraguai entrou em uma série de confinamentos. Qual é a situação econômica e social que as pessoas vivem?
No Paraguai, como na maioria dos países do mundo, alcançou-se o pico, nos aspectos econômico, social, sanitário e político, mas, sobretudo, na angústia e desespero do povo pela falta de remédios nos hospitais era evidente e os preços excessivos no mercado. A maior parte da nossa gente humilde não consegue arcar com o alto volume de despesas que a doença representa, estejam eles hospitalizados ou não, porque nem todos têm emprego estável, alguns trabalham por conta própria, o que implica que com o isolamento isso se agravou e, além disso, a alta demanda fez com que os preços dos medicamentos subissem exageradamente.
As pessoas entenderam que nos primeiros meses de 2020 devíamos nos isolar e assim colaborar com a preparação do sistema de saúde. Porém, pouco tempo depois, as pessoas já precisavam voltar a trabalhar para alimentar a família, para garantir o pão de cada dia. Os dias passaram e as condições sanitárias melhoraram relativamente, mas não foi suficiente ou eficaz. Somado a tudo isso, foram constatados diversos atos de corrupção e o atraso das vacinas.
Portanto, quando nossas autoridades promoveram um novo isolamento como estratégia, não funcionou. Agora as pessoas vão trabalhar, não tem outra alternativa, elas saem e correm o risco de pegar e espalhar para a família.
O que mais nos preocupa como Igreja é o sofrimento do nosso povo, a perda da dignidade daquele filho, daquela mãe, daquele pai que, no melhor dos casos, vende tudo o que resta de valor material para lutar pelo seu ente querido e vê-lo recuperado, mas temos testemunhado que muitos deles nos deixaram apesar de tudo.
Nesta menção também nos lembramos de muitos dos nossos padres, sentimos profundo pesar por termos perdido vários deles. Rezamos diariamente para que as condições melhorem, rezamos pelas almas dos que morreram, rezamos pela recomposição, especialmente espiritual, das pessoas que nesta pandemia perderam um membro de sua família.
Diante da dramática situação que vivemos: a Igreja quer fazer um chamado?
Para a Igreja, a pessoa é muito importante, é a essência da nossa missão. A Igreja de Jesus Cristo deseja a salvação de seu povo em todos os sentidos. Nós pastores, por meio de nossas ações espirituais e solidárias, defendemos todos sem condicionar.
Porém, nessas condições, a maior responsabilidade pela situação recai sobre nossas autoridades e suas instituições estatais, que devem zelar pela saúde de nossa população. A emergência sanitária não nos permite errar: cada erro, cada minuto que se perde, cada falha e carência representam o risco de uma vida.
Neste sentido, exortamos, como o temos feito em diversas ocasiões, às nossas autoridades nacionais para que não percam mais vidas humanas, pedimos veementemente que priorizemos a saúde e isso implica necessariamente a atribuição do maior volume de recursos do Estado, tanto materiais como humanos, para atender a essa urgência.
Esta situação crítica que vivemos deve ser um sinal de alerta por parte da comunidade internacional, o nosso país tem necessidade urgente de sentir o acompanhamento, a proximidade e a solidariedade dos nossos países irmãos.
A nossa população precisa de ser imunizada imediatamente, já perdemos muitos compatriotas, há famílias inteiras que nos deixaram, há crianças órfãs que vão crescer sem a proteção da mãe e do pai, são muitas as que ficaram com consequências físicas e psicológicas, a condição econômica de muitos é muito ruim e esta condição deveria ser um sinal de alarme para autoridades nacionais e organizações internacionais.
Que o Senhor nos proteja e nos ajude a ver a luz que todo ser humano precisa ter neste momento, que nosso Senhor Jesus Cristo, com seu sopro espiritual, dê-nos forças e ajude-nos a superar este momento de pandemia e consequências que estamos vivendo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Paraguai. Bispos pedem auxílio à comunidade internacional: “As vacinas não chegam e a população morre” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU